A Rede Hídrico-ambiental proposta no Plano Diretor Estratégico de São Paulo aprovado em 2002 (Rios de São Paulo: Retificação e Decadência 2)

A Rede Hídrico-ambiental proposta no Plano Diretor Estratégico de São Paulo aprovado em 2002. 

Uma das principais inovações ambientais do PDE 2002, elaborado sob minha responsabilidade técnica e coordenado pelo saudoso Urbanista Jorge Wilheim (falecido em 2014)  é a proposta da cidade estruturar-se também ao longo de sua rede hídrica-ambiental. Tem como conceito norteador o reconhecimento da importância da rede hídrica da cidade e da vegetação natural existente como um elemento estruturador da organização espacial e ambiental da cidade, com o objetivo de promover a sustentabilidade urbana, com a recuperação ambiental e a proteção das margens e planícies inundáveis e da vegetação remanescente na cidade. busca-se também incentivar a despoluição de seus rios e córregos. Os objetivos da rede hídrico-ambiental são:

  • reconhecer o sítio físico da cidade através dos seus rios e da malha de áreas verdes, no sentido de se compor um quadro de recuperação ambiental, e utilizar estes elementos como orientadores da estrutura da cidade;
  • reconciliar a cidade com o meio ambiente e seu sítio físico, para alcançar uma maior aderência do tecido urbano ao seu sítio natural;
  • promover as intervenções para o controle da drenagem urbana, recomposição da vegetação ciliar, o saneamento dos rios e a proteção dos fundos de vale, e os programas de reassentamento de populações localizadas em áreas de risco para o mesmo distrito ou subbacia.

A proposta foi retomada  no PDE 2014 como coadjuvante da proposta de verticalização e adensamento no entorno dos eixos de transporte. Embora esteja lá formalmente, perdeu muito de sua amplitude e priorização como meta de sustentabilidade urbana.

O Reconhecimento do Sítio Físico e do Ambiente

O impacto dessas medidas no ambiente urbano da cidade de São Paulo são de grande magnitude, devido à ocupação inadequada das margens e planícies aluviais e também à canalização extensiva de seus rios, uma vez que a urbanização da cidade não preservou os rios como elementos da paisagem urbana, e não observou sua função ambiental e reguladora da drenagem urbana. Hoje estes princípios estão em linha com o conceito de sustentabilidade ambiental buscado pelas maiores cidades do mundo como Toronto, Seul e tantas outras.

Áreas Verdes, Parques Lineares e Caminhos Verdes

Nessa direção foram propostos os Parques Lineares a serem gradualmente incorporados ao sistema de áreas verdes da cidade, com o objetivo de re-criar uma extensa rede hídrico-ambiental de forma a promover a ocupação adequada do entorno dos rios.  Felizmente já temos ai alguns bons exemplos como o Parque Linear das Corujas, e muitos outros bons frutos do PDE 2002, além do já existente Parque Ticoatira na Penha.

Os parques lineares são intervenções urbanísticas associadas principalmente ao entorno dos fundos de vales de rios não canalizados, com o objetivo de proteção dos cursos d’água, em contrapartida à política de canalização de córregos, por meio de uma concepção sustentavel de saneamento e recuperação ambiental. A política de canalizações de córregos e construções das grandes avenidas de fundo de vale foi o partido escolhido pela engenharia paulista desde a derrota da proposta do Engenheiro Saturnino de Brito de proteger a várzea do rio Tietê, para o Engenheiro Prestes Maia, criador do Plano Avenidas em meados de 1926 (vide o link abaixo Retificação e Decadência).

Onde os rios já estão canalizados e a situação urbana está consolidada, o PDE 2002 propôs intervenções com caminhos verdes, buscando recuperar e criar corredores verdes, objetivando a requalificação paisagística, recuperação da cobertura vegetal, arborização, redução da impermeabilização por intermédio da mobilização da população envolvida em projetos locais, de acordo com as características de cada região, e programas educacionais, em relação à questão do lixo, limpeza dos espaços públicos e da fiscalização. Essa proposição foi largamente abraçada nos Planos Regionais Estratégicos aprovados em 2004 e ainda em vigor,  onde ha diversas  propostas de Parques Lineares em todas as Subprefeituras da cidade, alguns deles já implantados. Tudo isso tem um futuro incerto uma vez que foi descolada das prioridades da política urbana da atual administração da cidade.

Essas intervenções urbanas poderão ser implementadas pelo Poder Público e pela iniciativa privada, utilizando-se para tal fim o instrumento das Áreas de Intervenção Urbana  previstos no plano diretor em 2002 e agora em 2014.

As bases dessa proposta foi dada pelo Eng Saturnino de Brito em  1926

O Engenheiro Saturnino de Brito propunha a preservação da várzea do Tietê e suas margens. O partido adotado pela engenharia paulista foi retificar o Tietê e depois o rio Pinheiros. Deu no que sabemos, enchentes e extravasamentos. Sem entrarmos na discussão da poluição desses rios e o ïnsucesso” dos projetos de despoluição desses rios iniciados a partir de 1992.

Os rios canalizados em São Paulo voltam a ocupar os antigos leitos. No PDE 2002 propusemos mudar essa lógica criando os parques lineares para proteger as margens dos rios e córregos. Ainda é possível! Em muitos casos ainda é possível..

 10603707_675680709174021_4656402275108904982_n
 A Imagem acima é de 1971, antes do projeto implantado no governo Luíza Erundina, com uma grande laje sobre o Anhangabaú e um túnel sob a travessia da Avenida São João, projetada por Jorge Wilheim.

Saturnino apontava as necessidades de preservação dos rios Tietê, Pinheiros e Guarapiranga como indispensáveis ao abastecimento de água não só na Capital como de grande parte do interior do estado. Previa, ainda, a construção de um emissário na Serra do Mar para o tratamento do esgoto em lagoas litorâneas.

O projeto de Saturnino de Brito foi descartado pela administração seguinte que preferiu implantar o “Plano de Avenidas”, elaborado pelo engenheiro – mais tarde prefeito de São Paulo, Francisco Prestes Maia, coordenador da Comissão de Melhoramentos do Rio Tietê. Essa comissão cuidou ainda do aproveitamento da várzea, projetando a construção de duas extensas avenidas marginais e de 20 pontes de concreto armado, permitindo, com isso, sua ocupação por loteamentos e logradouros públicos, além da instalação de um grande terminal ferroviário que centralizaria as comunicações com a Capital”.

Em relatório publicado no ano de 1926, Saturnino previa a preservação das áreas alagadas, as chamadas “coroas”, como recurso natural para ajudar na contenção das enchentes e servir de referência dentro da paisagem do parque fluvial urbano por ele imaginado para São Paulo. O seu projeto visualizava um grande parque metropolitano que seria a faixa do leito maior, preservado como várzea ao longo do rio para as grandes vazões do Tietê na época das cheias. Na foz de cada afluente deveria ser preservada uma área para constituir um lago. Assim, se formariam dois lagos, de 3 km de extensão por 1 km de largura, com uma ilha no meio.

Retificação e Decadência está completa no link:

http://www.daee.sp.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=796%3Aretificacao-e-decadencia&catid=54%3Aparques&Itemid=53

Outro link importante sobre o tema está no documentário Entre rios, que é um excelente documentário sobre a urbanização de São Paulo, com um enfoque geográfico-histórico, permeando também questões sobre meio ambiente, política.

Deixe um comentário